um espaço de partilha, reflexão, discussão e anuncio do amor misericordioso de um Deus loucamente enamorado por todos os que criou à sua imagem e semelhança...
Por
estes dias decorre o mundial de futebol. Entusiasmos e fracassos caminham lado
a lado. Uns confirmam o talento, outros desiludem e outros...surpreendem!
Ao longo da semana,
provocado pelo Evangelho (Mc 4, 26-34), tenho caminhado com um olhar mais
atento ‘a tudo que é pequeno’. É bom (re)aprender a ‘ver as sementes’, um olhar
contemplativo renova-nos e transforma-nos.
Esta ‘pedagogia do (re)começo’
ensina-nos a encher de futuro cada gesto, olhar, palavra e silêncio. Na semente
estão os sonhos futuros, horizontes novos, caminhos ainda não andados. No seu
íntimo a semente traz a esperança do novo...e como isso é decisivo diante dos
contextos em que vivemos de violência crescendo, de agressividade se
extremando, de fundamentalismos que nos cegam e sufocam o que ainda está por
vir.
Gosto de imaginar como
seria se todos nos vivêssemos com a consciência de que somos, diariamente, uma
semente. É bom deixar-se desafiar: Que vida trago dentro? Que ‘futuro’ tenho
para oferecer? De quanto silêncio preciso para ‘germinar’?...
Em
cada semente, uma promessa. Em cada promessa, uma Aliança. Em cada Aliança,
frutificar. Boa Semana!
*Homenagem a Joaquim Vidal de Negreiros que viveu sendo semente do bem para todos.
Todos
conhecemos a frase: “a pior prisão é um coração fechado”. Sabemos também das
consequências devastadoras que a indiferença ou a absurda teimosia provocam em
nós e ao nosso redor. Costumo chamar a isso a ‘perseverança do absurdo’.
Lembrei-me imediatamente disso ao escutar o Evangelho este Domingo...Jesus é
questionado como um ‘fora da lei’ por aqueles que vivem na ‘perseverança do
absurdo’.
Há
‘perseverança (farisaica) no absurdo’ todas as vezes em que medimos a vida,
apenas, pelos tons pálidos do ‘pode’ ou do ‘não pode’ (Mc 2, 23 – 3, 6). São
fronteiras demasiado estreitas para quem se encontrou com o Evangelho e se
reconhece como discípulo de Jesus. O Mestre, recorda-nos isso insistentemente
quando nos desafia a converter o coração (e a vida); é bom entender que esta
insistência do Mestre não é um apelo à ‘maquilhagem espiritual’, ela será sempre
o primeiro passo para o absurdo. Jesus não nos pede apenas ‘a lei’, pede-nos mais,
mais profundamente, de um jeito novo...sem querer ‘domesticar’ Deus, nem
ludibriar a vida.
O
Papa Francisco, recordando-nos que é possível ser santo hoje, diz-nos: “Precisamos
do impulso do Espírito para não ser paralisados pelo medo e o calculismo, para
não nos habituarmos a caminhar só dentro de confins seguros. Lembremo-nos
disto: o que fica fechado acaba cheirando a mofo e criando um ambiente
doentio. (...) Deus é sempre novidade, que nos impele a partir sem cessar
e a mover-nos para ir mais além do conhecido, rumo às periferias e aos confins.
Leva-nos aonde se encontra a humanidade mais ferida e aonde os seres humanos,
sob a aparência da superficialidade e do conformismo, continuam à procura de
resposta para a questão do sentido da vida. Deus não tem medo! Não tem medo!
Ultrapassa sempre os nossos esquemas e não Lhe metem medo as periferias. Ele
próprio Se fez periferia. Por isso, se ousarmos ir às periferias, lá O
encontraremos: Ele já estará lá. Jesus antecipa-Se-nos no coração daquele
irmão, na sua carne ferida, na sua vida oprimida, na sua alma sombria. Ele já
está lá.” (GE nº 133-135)
O
Evangelho, luz para os nossos passos, questiona-nos: Quais são, afinal, as tuas fronteiras? De quantos ‘absurdos’ é feito
o teu quotidiano? Consegues contemplar a vida (e Deus!) para além dos teus ‘confins
seguros’?...
Seguir
Jesus, é dizer não à idolatria de um ‘deus-domesticado’, a idolatria de um ‘deus’
que corresponda, somente, às nossas medidas curtas e aos nossos corações
fechados...num deus assim, seria impossível acreditar!
Jesus, Amor-Crucificado-Ressuscitado,
revela-nos que ‘o essencial da lei’ está, primeiramente, em ‘tatuar’ no mais profundo do nosso
ser a certeza que o profeta Isaías cantou, tão belamente, com estas palavras: “Deus
é o meu Salvador, tenho confiança e nada temo. O Senhor é a minha
força e o meu louvor, Ele é a minha salvação. Agradecei ao Senhor, bendizei
o seu nome. Anunciai aos povos a grandeza das suas obras, proclamai a
todos que o seu nome é santo. Cantai ao Senhor, porque Ele fez
maravilhas, anunciai-as em toda a terra. Entoai cânticos de alegria e
exultai” (Isaías 12).
Aos que têm esta certeza ancorada no mais intimo do
coração, Jesus e o Seu Evangelho, serão sempre uma vida, e um Deus,...‘fora da
lei’! BOA SEMANA.
As palavras que dizemos têm o poder mudar o rumo da
história. Se forem ditas com banalidade farão da história, e da construção que
todos fazemos dela, um momento ‘trágico’, difícil e, quem sabe, às vezes
penoso. Essas são as palavras mal-ditas!
Por outro lado, as palavras têm também o poder de reconstruir, entusiasmar, conectar,
transformar, curar. Essas são palavras que nos fazem ver e experimentar a vida
como um milagre permanente.
Uma dessas palavras que tem sido ‘gasta’ (ou mal-dita) pela banalidade com que muitas
vezes a usamos, é a palavra vocação. Basta ler algumas das noticias eclesiais
para vermos como a palavra vocação aparece associada à ‘mendicidade’ de uma
Igreja (a nossa!) mais preocupada em manter estruturas passadas do que abrir-se
à graça infinita do futuro. A cada ano, neste Domingo do Bom Pastor, a palavra
vocação ‘reaparece’. Em alguns lugares ela é compartilhada com o entusiasmo de
quem tem dentro o ‘perfume da Páscoa’ e sente/sabe que o Pastor Bom e Belo é
sempre o primeiro a entusiasmar-nos! Noutros
lugares, repete-se o discurso monótono e bafiento, mais cheio de medo e de
autopreservação,...
A Igreja, por ser obra do Espirito Santo, vive em
mudança(s) permanente(s). É bom que nunca nos falte esta consciência e que não
nos falte também a coragem para ousar ‘a novidade que Deus espera de nós’: Um
Povo de homens e mulheres, chamados pelo nome, para viver de maneira quotidiana
a eternidade plantada pelo nosso batismo! Para isso, não basta somente falar de
vocação, é necessária que nos sintamos convocados para sermos ‘o povo da Invocação’, isto é, a
redescoberta daquele essencial que faz com que sejamos Páscoa para a história,
Páscoa no coração do mundo e da Igreja...
Recorda-nos isso mesmo o Papa Francisco, naquela
sua linguagem sempre transparente e cheia da graça de Deus, na Exortação ‘Alegrai-vos e Exultai’ quando diz:
“O Concílio
Vaticano II salientou vigorosamente: «munidos de tantos e tão grandes meios de
salvação, todos os fiéis, seja qual for a sua condição ou estado, são chamados
pelo Senhor à perfeição do Pai, cada um por seu caminho». «Cada um por seu
caminho», diz o Concílio. Por isso, uma pessoa não deve desanimar, quando
contempla modelos de santidade que lhe parecem inatingíveis. Há testemunhos que
são úteis para nos estimular e motivar, mas não para procurarmos copiá-los,
porque isso poderia até afastar-nos do caminho, único e específico, que o
Senhor predispôs para nós. Importante é que cada crente discirna o seu próprio
caminho e traga à luz o melhor de si mesmo, quanto Deus colocou nele de muito
pessoal (cf. 1 Cor 12, 7), e não se esgote procurando imitar algo que
não foi pensado para ele. Todos estamos chamados a ser testemunhas, mas há
muitas formas existenciais de testemunho. (...) Isto deveria entusiasmar e
animar cada um a dar o melhor de si mesmo para crescer rumo àquele projeto,
único e irrepetível, que Deus quis, desde toda a eternidade, para ele: «antes
de te haver formado no ventre materno, Eu já te conhecia; antes que saísses do
seio de tua mãe, Eu te consagrei» (Jer 1, 5).
Para ser
santo, não é necessário ser bispo, sacerdote, religiosa ou religioso. Muitas
vezes somos tentados a pensar que a santidade esteja reservada apenas àqueles
que têm possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para dedicar muito
tempo à oração. Não é assim. Todos somos chamados a ser santos, vivendo com
amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um
se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria
a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua
esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo
com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És
progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a
seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum
e renunciando aos teus interesses pessoais. Deixa que a graça do teu Batismo
frutifique num caminho de santidade. Deixa que tudo esteja aberto a Deus e,
para isso, opta por Ele, escolhe Deus sem cessar. Não desanimes, porque tens a
força do Espírito Santo para tornar possível a santidade e, no fundo, esta é o
fruto do Espírito Santo na tua vida (cf. Gal 5, 22-23). Quando
sentires a tentação de te enredares na tua fragilidade, levanta os olhos para o
Crucificado e diz-Lhe: «Senhor, sou um miserável! Mas Vós podeis realizar o
milagre de me tornar um pouco melhor». Na Igreja, santa e formada por
pecadores, encontrarás tudo o que precisas para crescer rumo à santidade. (...)
Esta
santidade, a que o Senhor te chama, irá crescendo com pequenos gestos. (...) sucede,
às vezes, que a vida apresenta desafios maiores e, através deles, o Senhor
convida-nos a novas conversões que permitam à sua graça manifestar-se melhor na
nossa existência, «para nos fazer participantes da sua santidade» (Heb 12,
10). Outras vezes trata-se apenas de encontrar uma forma mais perfeita de viver
o que já fazemos: «há inspirações que nos fazem apenas tender para uma perfeição
extraordinária das práticas ordinárias da vida cristã». Quando estava na
prisão, o Cardeal Francisco Xavier Nguyen van Thuan renunciou a desgastar-se
com a ânsia da sua libertação. A sua decisão foi «viver o momento presente,
cumulando-o de amor»; eis o modo como a concretizava: «aproveito as ocasiões
que vão surgindo cada dia para realizar ações ordinárias de maneira
extraordinária».
Deste modo, sob o impulso da graça divina, com
muitos gestos vamos construindo aquela figura de santidade que Deus quis para
nós: não como seres autossuficientes, mas «como bons administradores das várias
graças de Deus» (1 Ped 4, 10). Os Bispos da Nova Zelândia ensinaram-nos,
justamente, que é possível amar com o amor incondicional do Senhor, porque o
Ressuscitado partilha a sua vida poderosa com as nossas vidas frágeis: «o seu
amor não tem limites e, uma vez doado, nunca volta atrás. Foi incondicional e
permaneceu fiel. Amar assim não é fácil, porque muitas vezes somos tão frágeis;
mas, precisamente para podermos amar como Ele nos amou, Cristo partilha conosco
a sua própria vida ressuscitada. Desta forma, a nossa vida demonstra o seu
poder em ação, inclusive no meio da fragilidade humana»”.
Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara. Assim escreveu
Saramago, como que a provocar-nos com a pergunta que fica nas
entrelinhas: Afinal, O que vês? Em que(m) reparas? Num tempo
tão cheio de ritmos frenéticos, de indiferença e de ‘liturgias da banalidade',
abre-se diante de nós um pórtico que interpela o nosso coração e a nossa
inteligência, VEM AÍ A PÁSCOA!
Fomos chamados e convocados há
40 dias para um caminho de renovação interior. Logo no primeiro
passo, que é sempre iniciativa d’Ele, começámos com a garantia de que Deus é o primeiro a acreditar em nós e o
único que não desiste de nós. Ali mesmo Ele deixou claras as suas intenções:
«Estabelecerei a minha aliança convosco, com a vossa descendência e com todos
os seres vivos que vos acompanham ...» (Gen 9, 8-15 ).
Chegámos agora diante da
Páscoa, estamos no começo da Semana Maior (ela não vai ter mais dias, mas é a
grande semana que nos leva a mergulhar nas
fontes da Salvação!). O que vimos (e
ouvimos) durante o grande caminho dos 40 dias? Onde nos detivemos? Com que
determinação deixámos Deus tocar nossas feridas e curar nossos lamentos? Onde o sussurro da Páscoa foi mais forte
que o nosso medo e o nosso pecado?Deus chamou-nos para um caminho Batismal-Pascal e, como Pai, dispôs-se a
moldar o nosso coração endurecido pelo medo e pela vergonha do pecado. De
aliança em aliança foi-nos narrando e oferecendo ternura e recomeço...
Entremos então nesta ‘Semana da Ternura e do Recomeço’
deixando-nos guiar pelos olhos do centurião. Aquele homem, não sabemos se era o
mesmo de Cafarnaum (Lc 7), era para os seus contemporâneos um homem importante,
tinha poder e podia exigir obediência...No entanto, encontramo-lo ali, diante do calvário,
mudo! Estava, num frente a frente com Jesus! Não sabemos o que o silêncio
daquele espetáculo cruel lhe perguntava interiormente...Sabemos apenas que do
seu olhar contemplativo e, do seu coração e inteligência, brotou a ‘bem-aventurança’
do Calvário: “Na verdade, Este homem era o Filho de Deus!” (Mc 14, 1- 15, 47)...
Os olhos do Centurião são janelas
pelas quais a Ternura de Deus nos interpela a dar passos concretos rumo à
Páscoa.O que vamos viver e celebrar, o
oceano em que vamos mergulhar nos próximos dias, não é uma liturgia da banalidade
ou do superficial, muito menos um rito para aplacar a ira do deus-sádico, menos
ainda um tempo para ‘lágrimas de crocodilo’...
A PÁSCOA VEM AO NOSSO ENCONTRO,
pede-nos imersão, do coração e da vida, no coração de Deus. No Calvário é-nos oferecido
sentido, sabor e significado para a nossa vulnerabilidade quotidiana. Da Cruz
do Crucificado-Ressuscitado, Deus que é Pai de Misericórdia, quer-nos fazer beber
das fontes da Salvação para que possamos caminhar com um Coração-Pascal.
Talvez seja oportuno tatuarmos por dentro dos nossos corações esta certeza de Isaac
de Nínive: “Deus
só pode dar-nos o seu amor!”. Então, quando assim fizermos, abriremos nossos
olhos e, como o centurião, também nós reconheceremos o nosso Salvador. O Salvador
do Mundo. Por todos. Por Amor. Para Sempre! BOM CAMINHO. BOA SEMANA...SANTA!
Caro Nicodemos, faz algum tempo que
queria escrever-te.
Sei que de Deus sabes muitas coisas,
tens estudado a Torah e, nas tuas obras cotidianas, os ‘últimos’ têm encontrado
em ti um bálsamo para as suas dores, seja pelas tuas palavras doces e plenas de
sabedoria e sensibilidade, seja pela tua esmola generosa que sempre restitui
dignidade e abre portas de esperança. Se outros me falassem de ti diriam que és
um homem correto, honesto e caridoso. Nada mal, heim?!
Esta minha carta, caro Nicodemos, é
mais do que ‘uma carta’, na verdade ela é uma conversa muito simples que faz
tempo quero ter contigo. Sou, como tu, um peregrino. Amo a vida, as pessoas, a
natureza. Gosto do que é simples, não fico indiferente diante do sofrimento,
não me calo diante da injustiça e procuro viver cada dia plantando um pouco de
ternura através daquilo que chamo ‘os milagres cotidianos’. Seria bom que tudo
isso fosse diariamente a 100%, mas nunca te esqueças: sou um peregrino...sempre
precisado de perdão ( = Recomeço). Não te disse ainda, mas sou discípulo de
Jesus. Sim, esse que vens seguindo há já algum tempo em silêncio! E tem tanta
gente fazendo o mesmo...
Vou contar-te um segredo: durante
muito tempo houve uma pergunta que me tirou o sono: “Haverá um Amor capaz de
curar, iluminar e salvar?”, imagino que também essa pergunta te acompanhe! Não
te preocupes, não vou dar-te uma resposta, compreenderás mais tarde o motivo...
Sabes, Nicodemos, quando se busca o
que é (e)terno, não bastam as ‘respostas já prontas’. Diante das grandes
perguntas da vida há uma decisão importante: não se entregar à aparente
‘frustração’, isso já é um começo importante! Tem tanta gente que busca
respostas e, na primeira ‘não resposta’, baixa os olhos e, daí em diante, apenas vê o chão...
Soube por João que esta noite
vieste ao encontro de Jesus...sei como é entusiasmante esse caminho! Ir ao
encontro de Jesus e deixar simplesmente que Ele nos olhe. Afinal, só Ele sabe quem
nós somos! Descobrimos nessa hora o ‘essencial’ do Evangelho: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu
Filho Unigénito, para que todo o que acredita n’Ele não morra, mas
tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar
o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3, 16-17).
Caro Nicodemos, não sei o que farás
depois desse encontro. Quero apenas dizer-te que a comunidade dos discípulos de
Jesus, também conhecida como Igreja, estará de portas abertas para te acolher,
a ti e a todos os outros ‘Nicodemos’ que de noite, ou de dia, andam à procura
de uma luz e de um Amor capaz de curar, iluminar e salvar! Aqui as tuas dores
serão as nossas dores, as tuas alegrias as nossas alegrias, e as tuas dúvidas,
ao invés de serem um problema, serão mais um passo para juntos sedimentarmos o
caminho do nosso seguimento de Jesus... Sê bem-vindo, meu irmão!
De
quantas rugas é feita a tua história? Parece despropositada
a pergunta. Para alguns será ‘deselegante’ e ofensiva, mas gostaria de começar
por aqui esta semana!
Habitamos um tempo marcado por
grande arrogância e violência. Ser vulnerável é ‘coisa de fracos’. Os afetos
são facilmente mascarados (e manipulados!), as ‘etiquetas’ que colocamos nos
outros são uma ‘auto-defesa infantil’ de
quem não é capaz de, com adultez e sabedoria, lidar com os próprios limites. E,
pensar diferente, é hoje uma ‘ousadia quase pornográfica’...é paradoxal mas,
quanto mais ‘democráticos’ dizemos ser, quer como pessoas, igreja ou sociedade,
mais intolerantes nos manifestamos em nossas atitudes, palavras e gestos. Não
se trata de um ‘diagnóstico pessimista’, até porque sou 'evangelicamente
otimista' por natureza. Gosto de escutar e de contemplar as pessoas, e vou-me
dando conta do quanto temos afetivamente regredido, humanamente decrescido e
espiritualmente adoecido...voltemos à pergunta: "de quantas rugas é feita a tua história?"
Vem
tudo isto a propósito da Palavra com que Deus nos visita esta semana (Mc 1,
29-39). Jesus continua itinerante (peregrino!) e revela-nos que uma ‘Igreja em
saída’ implica também ‘sair da igreja’, pois nenhum muro pode deter a graça de
Deus que é sempre ‘sedutoramente irradiante’, é que “a casa de Deus é um
abrigo, não uma prisão” (Papa Francisco). Jesus sai dos ‘limites religiosos’ e inicia
uma ‘peregrinação da ternura’ que rompe preconceitos e derruba os muros da
indiferença. Para seguir Jesus é preciso ‘não ter fronteiras’! Por onde passa,
Ele se faz próximo, toca e ‘levanta’. 3 verbos essenciais para fazer irromper o
Evangelho nos corações e na vida.
O
‘Mestre dos recomeços’, ensina-nos que segui-lO não implica um ‘intimismo de
fuga’ nem, no extremo oposto, um apelo a sermos ‘tarefeiros do evangelho’. Na
hora da ‘saída’, Jesus é claro: precisamos ser ‘porta escancarada’ para quem
chega, sem qualquer tipo de blindagem ou subterfúgio (espiritual!). Precisamos
cuidar e deixar-nos cuidar. Precisamos de silêncio e de palavras. Precisamos escutar,
mas também responder. Precisamos rezar para saber discernir. Precisamos agir
para não atrofiar o amor. Precisamos avançar...para ir ao encontro!
Sair,
não ter fronteiras, tocar e curar. É neste ‘cenário’ que Cristo nos coloca e
questiona. Diante da ‘síndrome da vida perfeita’, o Evangelho ‘devolve-nos’,
como um espelho, as nossas dores e as nossas ‘rugas’ e leva-nos a descobrir,
cada vez mais, que elas são fruto do afeto e da memória, do tempo compartilhado
e da vida entregue. Sem pressas.
‘Sair’,
não nos levará muito longe, talvez nos leve somente ‘até à Porta’... aí, no
sabor e no saber de cada dia, descobriremos tantos e tantas, de ‘coração
faminto de esperança’. Vão pedir-nos abrigo e ‘o pão dos afetos’. Nessa hora,
tocaremos suas feridas, dançaremos juntos e, olhando-nos longamente nos olhos,
ofereceremos uns aos outros os ‘sulcos’ que o tempo escavou em nossos rostos. Então,
de mãos dadas, iremos sussurrar mutuamente essa entrega dizendo:
“Toma as minhas rugas, a minha história, o
meu afeto,
Eis
a pergunta que nos pode acompanhar essa semana! Não te apresses em responder...
saboreia a interrogação como um convite a fazer uma ‘peregrinação interior’.
O
“vinde e vede” (Jo 1, 35-42) com que João nos colocou olhos-nos-olhos com
Jesus, tem agora um capítulo novo e decisivo. Não há discipulado sem intimidade, mas também
não há seguimento de Jesus sem conversão. Discipulado e conversão são gêmeos!
Duas faces de uma mesma moeda: seguir Jesus, ser como Ele foi, fazer como Ele
fez!
É
comum escutarmos em discurso religioso (com frequência quase infinita!) a
palavra ‘conversão’, em muitos casos, ela tornou-se um jargão/refúgio de ‘disparo
automático’. Importa esclarecer que ‘conversão’ não é uma ‘conversa grande’,
muito menos algo ‘obscurantista’ do tipo ‘refúgio impermeável para preguiçosos’.
A conversão dá trabalho! Ela nasce de uma urgência: “seguir Jesus de modo que o
seu Evangelho seja guia concreta da vida; significa deixar que Deus nos
transforme, parar de pensar que somos nós os únicos construtores da nossa
existência; significa reconhecer que somos criaturas, que dependemos de Deus,
do seu amor” (Bento XVI).
Há
uma 'urgência do coração' que define prioridades! Naquele “Cumpriu-se o tempo e
está próximo o Reino de Deus” (Mc 1, 14-20), o Evangelho introduz-nos num tempo
e numa realidade nova. Deus convoca-nos para realizarmos, como dizia um grande
pedagogo, os 'inéditos possíveis'. Pede-nos que façamos com Cristo o percurso
das periferias (Galileia) para o centro (Jerusalém). Não se trata apenas de um
itinerário geográfico, nem de meras referências ‘religiosas’, trata-se de um
caminho de purificação da vida e da fé. Chegou a hora de abandonar todas as
idolatrias (e são sempre tantas dentro de nós!). O ‘Deus Vivo’ pede-nos a
coragem da humildade, a determinação do coração, a intimidade que transforma e a
profundidade que renova.
A
conversão nasce das ‘raízes do coração’. Quando Jesus nos interpela o coração e
a vida, e nos recorda que se ‘cumpriu o tempo’, não está com isto a amedrontar-nos,
ameaçar-nos ou a dizer-nos que agora tudo tem de ser feito à pressa... Está,
isso sim, a fazer ressoar no nosso coração aquela ‘memória’ que nos desperta e recorda
que somos nutridos por um amor infinito que nos levanta, acaricia e estimula a
fazer caminho. Enquanto caminhava entre nós, recordava-nos o Ir. Roger de
Taizé:
“Se
soubesse que Deus vem sempre ter contigo...O mais importante é descobrir que
Ele te ama, mesmo quando tu pensas que não O amas. Cristo espera ser acolhido por cada um de nós. Se tu não consegues dar-Lhe uma
resposta, Ele respeita o teu silêncio. Mas quando te abres e O acolhes, por ação
do Espírito Santo, cria dentro de ti uma comunhão íntima com Ele. Na surpresa dessa comunhão, Ele habita no mais fundo da tua alma. A sua
presença é tão clara como a tua própria existência. Tens dúvidas? Escavam-se em
ti como que buracos de incredulidade? Contudo, permaneces na fidelidade. A
dúvida, por vezes, é apenas o outro lado da fé. Na invisibilidade da Sua
presença, o Ressuscitado poderia dizer-te: “sei que há dias cinzentos e opacos
na tua vida. Conheço as tuas dificuldades e a tua pobreza, mas apesar disso és
abençoado, habitado por fontes vivas, fontes de fé escondidas no mais profundo
de ti mesmo. A surpresa da presença de Jesus, o Ressuscitado, cria em ti uma
morada de luz. Ela ilumina mesmo quando tudo parece envolto em obscuridade e
brilha como brasas debaixo da cinza. Por vezes perguntas-te a ti mesmo: o fogo que há em mim vai apagar-se? Não
foste tu que o acendeste. Não é a tua fé que cria Deus, não são as tuas dúvidas
que O vão lançar para o nada. Lembra-te: o simples desejo de Deus é já o começo
da fé. Quando te abres à vida eterna, a confiança da fé começa e não tem mais
fim...”. Boa Semana!
Somos
(e)ternos buscadores de sentido, sabor e significado. Como viandantes, somos
ritmados pelo cotidiano que nos interpela e se apresenta diante do coração e da
vida como ‘oferta de salvação’. Sim, precisamos ser salvos! Salvos, de dentro
para fora, de tudo o que nos sufoca: os medos, as frustrações, a ansiedade, os
nossos fracassos, os nossos pecados...enfim, tanta ‘bagagem’ para uma viagem
onde só o essencial é necessário!
Gosto
de olhar aqueles Magos, de que Mateus nos fala no Evangelho, como homens de
coração inquieto, disponíveis e determinados. ‘Magos’ significa, literalmente,
“ilustres” ou “grandes”; era a designação dada aos que se dedicavam à
astrologia. Sendo ‘buscadores de sinais’, não os exigem. Sabem esperar. Sabem contemplar.
Vivem com um coração não se entrega ao superficial.
Como
os pastores, também os magos estão ‘nas periferias’. Não é a curiosidade que os
move, é a sede da Vida! Eles sabem ver num ‘sinal que brilha na noite’ a
convocação para ‘um novo dia’. Quando chega a luz do Céu, a ‘Glória a Deus nas
alturas’ canta-se com os ‘pés na terra’, ‘peregrinando’, fazendo de cada passo
um caminho sem retorno. O Céu ‘falou’ e o coração soube ‘ver’, agora é a ‘hora
dos peregrinos’!
Os
Magos interpelam-nos sobre ‘o que vemos’ e ‘o que contemplamos’. Com a sua
determinação interrogam-nos sobre ‘o que esperamos’ e ‘com que disposição’. Com
que frequência olhamos o Céu? Com que liberdade acolhemos os Seus sinais? Não
são interrogações de ‘ocasião’, são o essencial para o nosso seguimento
batismal de Jesus!
Não
foi em vão que Jesus nos disse um dia: “Os últimos serão os primeiros”. Chegou
a hora! Das ‘margens’ para o ‘Coração’, Jesus começa a convocar os ‘peregrinos’.
De agora em diante o caminho faz-se passo a passo, dia após dia, seguindo-O com
‘determinada determinação’ (Teresa de Ávila). É uma convocação que vem do alto,
que nos pede mergulho profundo ‘nas fontes da Salvação’. É que Isaías tinha
razão, e com ele também nós cantamos e Adoramos neste dia:
“Deus é o
meu Salvador, tenho confiança e nada temo. O Senhor é a minha força e
o meu louvor. Ele é a minha salvação. Tirareis água, com
alegria, das fontes da salvação. Agradecei ao Senhor, invocai o seu
nome. Anunciai aos povos a grandeza das suas obras, proclamai a todos que
o seu nome é Santo. Cantai ao Senhor, porque Ele fez maravilhas,
anunciai-as em toda a terra. Entoai cânticos de alegria e exultai,
habitantes de Sião: porque é grande no meio de vós o Santo de
Israel» (cf. Is
12, 2-6)