segunda-feira, maio 19, 2014

SÓ O AMOR PODE SER 'CASA'…



Um coração indeciso, amedrontado, nunca nos deixará ‘entrar em casa’. Far-nos-á permanecer sempre à porta. Dar um passo em frente será, nessa perspetiva, um risco. É que entrar na ‘intimidade’ é um trabalho ‘inútil’ para os que se habituaram a viver na ‘espuma dos dias’, mais acomodados do que incomodados! «Não se perturbe o vosso coração», diz-nos Jesus no Evangelho desta semana (Jo 14, 1-12). Um coração ‘perturbado’ não tem discernimento, não se percebe, nem é capaz da sabedoria necessária para ‘desdobrar o mapa da vida’ e ver, nos caminhos do quotidiano, os traços de eternidade que preenchem e fortalecem cada um dos nossos passos.

É que Deus quer-nos em paz, mas não acomodados! A ‘Paz do Ressuscitado’ não é renúncia ao que é verdadeiramente humano, mas sim dinamismo que nos faz olhar para além de nós, e para além do tempo e ver que como peregrinos, viandantes ritmados pelo desejo de céu e pelo ‘perfume da Páscoa’, não podemos perder-nos no CAMINHO indo por atalhos que conduzem ao vazio, nem podemos viver com a VERDADE uma desafeição que nos leva ao banal, muito menos podemos desperdiçar a VIDA em opções de morte.

Os contornos do coração do Pai (= a morada que Jesus nos ‘prepara’) nós já os conhecemos. Sabemos que não descansa, nem se cansa, enquanto não chegarmos a casa. Não basta portanto, como acontece com o GPS, ‘reconfigurar’ os nossos caminhos procurando encontrar alternativas mais ‘doces’ ou mais ‘rápidas’.  Temos que confrontar-nos, sem medo, com os nossos passos incertos e desalinhados. Somos provocados a ter a coragem de chamar pelo nome as nossas contradições. Somos interpelados, pela ‘sabedoria do coração’, a deixar-nos abraçar pela verdade, seja quando ela é a nosso favor, seja quando ela é ‘contra’ nós.

Dado que a Fé não é uma ideia, uma teoria ou uma filosofia, mas é o fruto maduro gerado pelo encontro e ritmado pela confiança, então o CAMINHO que somos chamados a percorrer é aquele de sermos peregrinos no nosso ‘santuário do quotidiano’. Com olhos novos e coração novo. Sabemos que só a força sempre libertadora da ternura pode suscitar um ‘jeito de ser’ e um ‘estilo de viver’ que vá para além dos ‘entusiasmos adolescentes’, isto é, uma fidelidade semelhante à de um ourives que vai esculpindo uma pedra-diamante até chegar à pequena pedra que é mais valiosa porque é uma ‘síntese polifónica’ de perseverança, amor e dedicação. Para isso, não podemos ‘acampar’ à porta da VIDA deixando que seja a morte a ritmar e a devorar o nosso tempo. Somos uma história de Salvação escrita com as letras do amor e da verdade, de uma VERDADE que tem Rosto e que me revela quem sou, sem me julgar ou condenar.

E se o Amor é oferta de recomeço quando se ajoelha para levantar os caídos no caminho, então só o Amor pode ser Casa, lugar de intimidade e de revelação, que te mete não diante de um espelho, como 'Narciso', mas diante do Único que te chama pelo nome e te revela quem és, porque é Pai…Ali podes dançar, podes fazer festa e, como uma criança sentada sobre os joelhos do Pai/Mãe, sussurrando, podes dizer: «perdoa-me!».

Nessa hora, depois de teres 'entrado em Casa', cantarás assim: «Amo-te, Senhor, com uma consciência não vacilante, mas firme. Feriste o meu coração com a Tua palavra, e eu amei-te. (…) Amo uma certa luz, e uma certa voz, um certo perfume e um certo alimento, e um certo abraço, quando amo o meu Deus, luz, voz, perfume, alimento, abraço do homem interior, onde cada coisa brilha e ressoa e exala perfume para a alma, e por si só se faz saborear e cingir. Onde há luz que o espaço não abate e música não amortecida pelo tempo e perfume que o vento não dispersa e sabor que a saciedade não diminui, e um abraço que a consumação não desfaz. Isto é o que eu amo, quando amo o meu Deus» (Santo Agostinho - Confissões X, 6).

Estás à porta?  
Não se perturbe o teu coração. Entra, não és hóspede…és Filho!
BOA SEMANA!
 

domingo, maio 04, 2014

A QUANTOS KM’S ESTÁS AINDA DE (TUA) CASA?...

Habituados que estamos às rotinas deixamos com facilidade escapar o essencial. A Páscoa não nos visita, habita-nos! E, por isso, desinstala-nos, torna-nos Contempl-Ativos da vida e do quotidiano, isto é, homens e mulheres que vivem em cada respiro o desassossego daquele ‘Não está aqui, Ressuscitou!’ que ampliou para sempre as fronteiras do tempo e da história à dimensão de eternidade.
Vem tudo isto a propósito do ‘Caminho de Emaús’ (cf. Lc 24, 13-35). Aqueles ‘peregrinos da desilusão’, consumidos pelo lamento das suas expectativas, não se dão conta que Deus responde sempre com ‘excesso de amor’ às nossas esperas e às nossas esperanças. É que Deus não se contenta em dar-nos só o que lhe pedimos, Ele dá-nos aquilo que não podemos dar a nós mesmos. Esse é o grande milagre da Páscoa, de Emaús, de cada dia!
Quando o lamento e o desalento marcam o ritmo fúnebre de uma ‘procissão de desencanto’ Deus (res)suscita no coração daqueles viandantes, e no nosso também, o vigor da Páscoa. Faz-lhes passar pelo coração (porque o Evangelho não é uma ideia ou filosofia, mas o respirar da Vida!) o calor da ternura que permite ler a vida não como um museu (= cheia de passado), mas como uma história de salvação (=cheia de futuro)!  
Na estrada de Emaús, caminho existencial onde as poeiras do quotidiano trazem consigo a tentação de encher de peso o desejo de salvação que habita o coração humano, caminhamos eu e tu, lado a lado, com o único Senhor e Mestre que nos pode despertar o coração. Não se trata de um caminho para fazer depressa, muito menos de uma ‘caminhada para emagrecer’. Trata-se sim de uma ‘peregrinação interior’, sem indolência e sem lamentos, que parte dos nossos olhos, pedindo-nos que os abramos ao futuro; que passa pelos nossos ouvidos e nos sussurra, como no início da criação do homem, aquele Espírito que nos desbloqueia a inteligência, para depois fazer do nosso coração um altar onde a Páscoa se faz vida repartida.
Afinal, não se trata simplesmente de 11-12km’s que é preciso fazer (e desfazer!), trata-se essencialmente de um estilo novo de celebrar a vida e de habitar o coração* (= casa onde Deus se senta connosco e reparte o Pão!). É que às vezes estamos ‘dentro de casa’ mas de coração vazio. Muitas vezes os nossos pés ‘andam’ mas a nossa vida não caminha. Ir de Jerusalém (= o Coração da Páscoa) a Emaús (= Coração da Vida) não é um ‘exame’ nem uma ‘prova de resistência’, exige uma nova ‘geografia’ que não se compadece com redesenhar ‘mapas’ ou comprar novas ‘bússolas’. É um caminho novo que toca e transforma a vida a partir do essencial: ter a humildade de deixar que Ele caminhe connosco, dar-lhe espaço e dar-lhe a vida. Escutar a Sua voz e abrir-lhe o coração. E isso não se improvisa!
Uma vida “cheia de Páscoa” não guarda para si o Amor recebido mas nutre-se daquele ‘excesso de dom’ de quem sabe que ‘há mais alegria em dar do que em receber’. É assim que o coração dos discípulos (= casa onde Cristo multiplica a vida) se torna “peregrino da Vida e da Esperança”, sem otimismos balofos e sem pessimismos lamurientos. Regressam para ‘confirmar’ e ‘repartir’ o calor da ternura recebida, do pão repartido, da Vida oferecida e do caminho celebrado. Trazem nos lábios a Palavra que converte e salva e, no peito, um coração escancarado como o túmulo na manhã de Páscoa. Já não é a morte que os habita, mas a vida (E)terna!

Por entre as tuas idas e vindas no ‘Caminho quotidiano de Emaús’, a quantos km’s estás ainda de (tua) casa*?...

DESAFIO: Uma semana para evitar as palavras e os pensamentos pessimistas. Encher de “PAZcoa” os nossos dias e as pessoas com quem nos cruzarmos.